Crítica | O Enigma Chinês

Dez anos depois dos acontecimentos de Bonecas Russas (2005) e quinze, de Albergue Espanhol (2002), o diretor e roteirista Cédric Klapisch apresenta O Enigma Chinês (2013), conclusão de sua trilogia sobre a vida, o amor, a cultura, a diversidade e tudo que encontramos pela nossa trajetória na Terra. O tempo narrativo não corresponde ao tempo real das produções, diferente da romântica trilogia Antes do Amanhecer (1995), de Richard Linklater.

Novamente, Klapisch mistura sonho e factual, na metalinguagem criada por seu protagonista Xavier Rousseau (Romain Duris), o seu alterego dramático. Essa dicotomia entre realidade e ficção, personagem e escritor, se desenvolve de forma harmônica durante todo o filme, na presença do editor e do protagonista/narrador. Os outros filmes já seguiam esse modelo, contado por Xavier em frente à tela do computador, digitando suas aventuras e incertezas. Aqui, a problemática do contador de histórias é maior porque chega o grad finale (será?) dos personagens. Afinal, a vida e a ficção terminam felizes ou de forma trágica?

É interessante perceber que cada filme tinha a sua própria conclusão, com a qual os personagens encerravam determinada etapa da vida. Klapisch remexe seus pauzinhos para mostrar que os términos são periódicos. O final feliz ocorre dezenas, centenas de vezes pelo caminho, assim como as tragédias. Não há escapatória. Ninguém está à mercê de si mesmo, portanto, nossos momentos de satisfação e decepção estão conjugados com as ações dos outros.

Tudo é muito simbólico em o Enigma Chinês, esse modelo de narração foi o ponto forte dos dois filmes anteriores e continua afiado nessa terceira parte. Se aos 25 anos, Xavier foi descobrir uma nova língua, se desprendeu do amor, aceitou a paixão e suas aventuras, aos 30 anos, ele buscava estabilidade em um relacionamento seguro e duradouro. Quem diria que a reprimida Wendy (Kelly Reilly), do primeiro longa, se tornaria o mulherão e a grande companheira de Xavier?

Agora, aos 40 anos, Xavier se encontra em busca de se reconectar com o mundo, e recomeçar completamente a sua vida. Seria uma loucura para a maioria das pessoas iniciar tudo nessa idade, mas ele consegue encarar todos os problemas com humor e otimismo inacreditáveis. Assim, o protagonista ao invés de passar de boneca a boneca até saber qual a que está no final, ele tenta montar um quebra-cabeça das complicações da vida.

Após 10 anos juntos, dois filhos, Wendy e Xavier não são o mesmo casal. Simplesmente, você acorda uma manhã, olha para o seu parceiro e percebe que tudo o que os mantinham unidos desapareceu. Wendy decide se mudar para Nova York, viver com outro homem e, claro, levar os filhos. A separação do casal não é a questão, o amor acabou, os dois enxergam isso, a gente enxerga isso, o problema são os filhos.

Para não perdê-los, assim como aconteceu com seu próprio pai, Xavier também decide se mudar para a Big Apple. O humor se destaca no estranhamento do estrangeiro com os norte-americanos e da diferença da Nova York imaginária para realidade. Além disso, o filme mostra um pouco de todos os impropérios dos estrangeiros para continuarem a viver legalmente nos Estados Unidos. Ser pai para Xavier é um ofício importante, as crianças estão sempre em primeiro lugar, já as mulheres são deixadas em segundo plano.

Para ajudá-lo a se adaptar a nova cidade, ele conta com amiga lésbica Isabelle (Cécile De France), agora habitante de Nova York e desesperada para conceber uma criança. Outra ponta desse quebra-cabeça é constituída por Martine (Audrey Tatou), atualmente, uma mulher independente, executiva e com dois filhos. A carência dos 40 anos a une às mesmas expectativas de Xavier. É bom ver o desenvolvimento dos personagens, no entanto, quem nunca viu os outros filmes também consegue acompanhar essa etapa da história sem grandes problemas.

O título, como sempre relativo à busca do protagonista, é representativo nessa derradeira aventura. Após o belíssimo final de Bonecas Russas, esse longa a princípio se torna uma decepção, porque você se envolve com o casal no filme anterior e não quer que ele se desmanche. Klapisch, no entanto, está pronto para mostrar que a vida dá voltas, retorna ao início de partida e o passado está sempre entranhado em todo o futuro. O Enigma Chinês é filosófico, divertido e um gostoso jogo entre o real e o imaginário.

Nota: 4

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