Crítica | O Homem Duplicado

Com os nomes do mestre José Saramago e o canadense Denis Villeneuve por trás da história, O Homem Duplicado (Enemy) já chama a atenção do espectador. O ritmo lento, a fotografia amarelada, o tom metafórico e a narrativa não-linear, entretanto, prometem uma obra reflexiva e desconexa, com a pretensão de fazer o público encaixar as pecinhas sem responder de maneira óbvia nenhum dos questionamentos impostos.

Se você já se deparou com as obras anteriores do cineasta, o maravilhoso Incêndios (2011) e o instigante Os Suspeitos (2013), pode se preparar para muito mais mistério. Por outro lado, esta trama não é tão estimulante quanto às outras obras. Com situações mornas e confrontos confusos, o longa demanda bastante atenção para ser compreendido. As metáforas das aranhas gigantes por toda a trama podem assustar e causa estranheza à primeira vista. Essas divagações, entretanto, fazem parte do sentido da obra e, possivelmente, têm o objetivo de chocar um pouco.

Não conheço o livro, mas acredito que o filme tem que ser compreendido em si mesmo, sem a utilização de subterfúgios ou uma explicação lógica de um narrador onisciente. Para quem até hoje se questiona sobre os acontecimentos de Donnie Darko (1994), O Homem Duplicado pode seguir pelo mesmo caminho, mas com um desfecho mais plausível. Villeneuve propõe um jogo mental com o espectador para encaixar as cenas e construir seu próprio caminho.

Jake Gyllenhaal (0s Suspeitos) está seguro no seu duplo personagem. Muito mais do que na pele do detetive Loki, da parceira anterior com o diretor. Ele consegue dissuadir o público de diversas formas, enquanto as pistas para emendar a trama vão surgindo. Quem gosta de um bom enigma vai apreciar cada detalhe e montar sua estrutura da história. Agora, se você gosta de preto no branco, pode se sentir perdido e desenganado, ou até com muito sono durante a exibição.

As coadjuvantes Mélanie Laurent (Truque de Mestre) e Sarah Gadon (Cosmópolis) também conduzem bem seus personagens, importantes para percebemos as nuances do enredo na reação de cada mulher. Apesar dos pequenos detalhes, uma cena especial com Isabella Rosselline (Feito Gente Grande), intérprete da mãe do protagonista, é crucial para todo desembaraçamento da história, guardadas as proporções, aos moldes de Cidade dos Sonhos (2001), de David Lynch.

Essa não é apenas mais uma história de suspense. Ao encaixar os pedaços, enxergamos que a grande questão é a relação do protagonista com as mulheres ao seu redor, desde a mãe até os casos amorosos. As metáforas da narrativa desenham bem esse percurso psicológico do personagem, envolvendo-nos em um rolo de possibilidades. Analisar cada uma delas será um deleite para os cinéfilos. Em O Homem Duplicado, Villeneuve faz o que sabe de melhor: confundir a mente do espectador, no entanto, com muito mais parcimônia do que de costume.

Nota: 3

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