Crítica | A Espuma dos Dias

Quem conhece algumas obras anteriores de Michael Gondry não vai se chocar com o mundo fantástico recriado pelo diretor francês em A Espuma dos Dias (L’écume des jours). Baseado na obra do escritor Boris Vian, quase desconhecido entre os brasileiros, mas bastante cultuado entre os franceses, o filme traz toda a fantasia do autor sobre uma sociedade moderna nos anos de 1940. Em 1968, o livro foi levado ao cinema pelo cineasta Charles Belmorat, como A Flor da Vida.

A história acompanha Colin (Roman Duris), um jovem rico que nunca trabalhou e vive de uma grande fortuna, com o seu cozinheiro e amigo Nicolas (Omar Sy). Quando descobre que Nicolas e seu outro amigo Chick (Gad Elmaleh) estão em relacionamentos amorosos com belas mulheres, ele também deseja encontrar alguém para si. Assim, ele conhece Chloé (Audrey Tautou), se apaixonam e se casam, numa grandiosa cerimônia.

Para ajudar o seu amigo que sofre de uma louca compulsão pelo escritor Jean-Sol Partre (Philippe Torreton), Colin doa um quarto da sua pequena fortuna para Chick. O auxílio era para que ele se casasse com Alise (Aïssa Maïga), no entanto, ele gasta todo o dinheiro com a sua obsessão. No meio dessa confusão, Chloé adoece, logo após a lua de mel, com uma rara e dolorosa condição: uma flor cresce dentro do seu pulmão.

Para tratar da estranha doença, Colin gasta todo o seu dinheiro e tem até que vender sua maior invenção: o pianocktail, que produz bebidas de acordo com a harmonia das notas tocadas. Desse modo, ele busca vários tipos de empregos, um mais incomum do que o outro. A história de magia e amor começa a se transformar num drama pesado e cada vez mais trágico.

O espaço montando pelo diretor, a partir de direção de arte impecavelmente bem trabalhada e a utilização de animação em stop-motion, é mágico e sobressai da lógica racional das coisas simples do dia a dia. No filme, sapatos têm vontade própria, um chef de cozinha vive dentro da geladeira e do fogão, além das comidas serem animadas e a mesa de jantar ondulatória. Todos esses elementos podem perturbar os espectadores desavisados ou encantá-los completamente.

Esses aspectos são apenas o começo, o longa inteiro contempla um universo quase paralelo, no entanto, respaldado sempre na verossimilhança. Por exemplo, o protagonista possui um rato que se envolve com os moradores de maneira simbiótica e uma campainha que corre pela casa tocando, ambas as personificações aparecem frequentemente no filme, para o riso ou irritação do público.

A construção de A Espuma dos Dias relembra bastante a obra Sonhando Acordado (2006) de Gondry, como Gael García Bernal e Charlotte Gainsbourg, que é um vislumbre entre o mundo onírico e o real. O diretor, entretanto, é mais conhecido pela parceria com Charlie Kaufman em Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004), com Jim Carey e Kate Winslet. Na obra norte-americana, as características etéreas de Gondry estão presentes, mas se concentram numa criação surreal para exterminar o sofrimento dos rompimentos amorosos.

Em A Espuma dos Dias, a graça, o lirismo e o surrealismo ganham destaque e somam com a atuação preciosa do atores. O filme é um respiro simpático de encantamento dentro de uma indústria cinematográfica já tão esquematizada.

 Nota: 4

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